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Ontem saí de casa há meia-noite, levei a cadela e a minha música, comecei a correr à chuva, corri sem parar. Corri atrás da cadela e a fugir dela. Corri porque estou tão livre, sinto-me tão livre. Sinto que descubro coisas sobre mim própria todos os dias, como se percorresse o meu sótão cheio de arquivos, memórias e factos sobre mim mesma, abro os meus arquivos e deixo os papéis que lá guardei voar no enorme salão que é o meu cérebro. Os arquivos voam como se asas tivessem. Tenho esta imagem de mim mesma a mandar papéis ao ar e a correr nesse salão gigante, com música a tocar no ar. Danço, corro, grito. Riso e por vezes choro acompanham este desbravar de ficheiros.
As minhas mãos dançam na loucura deste momento frenético e gargalhadas ecoam em todo o lado.
Sabem, na minha viagem, houve alguns momentos em que me senti mesmo bem. Estávamos na Tailândia quando conhecemos três rapazes por acaso, passamos o dia com eles e depois a noite, no dia seguinte, vínhamos os cinco de regresso a Phuket e fomos todos juntos.
No barco, sentamo-nos quase todos na mesma fila de bancos e adormecemos, como crianças cansadas, que simplesmente desistem da brincadeira para repousar, sonhando. Acordei de repente, a meio da viagem, com frio devido ao ar condicionado e porque precisava de mudar de posição. A Beatriz estava a dormir e eu voltei-me para o lado de um dos rapazes, o Kenny. O Kenny abriu os olhos, perguntou-me se estava bem, disse que sim, mas que tinha frio e ele, amavelmente, ofereceu-me a toalha dele e batatas para matar a fome. Estar com eles era como se já não precisasse de estar sempre alerta, como se aqueles rapazes (ainda que desconhecidos) fossem o mais próximo de família que nós as duas tivéssemos naquele momento. Adormeci a sorrir depois de ter agradecido o gesto do Kenny.
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Posso afirmar que me sinto da mesma maneira. Protegida. Não por alguém, desta vez, mas pela atmosfera. Como se antes tivesse dado 30 passos mais à frente do que devia e agora estivesse a recuar um pouco, de forma a poder curar-me, a poder preparar-me para o que quer que seja que esteja a vir. É como se estivesse a sarar as minhas próprias feridas, a conhecer-me, a lutar por clarividência. A descobrir o que quero.
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