segunda-feira, 16 de abril de 2018

Conhecer o Eu: A extensão dos danos


Eu tenho uma peça danificada. Vi-a estragar-se – a peça – e tomei como liberdade guardá-la num compartimento embutido no meu armário de arrumações, naquela tal última prateleira.
Já subi várias vezes o escadote e cada vez que lá vou a cima e dou com a peça, sinto que o dano da peça prejudica o meu funcionamento “normal”.
Ao mesmo tempo, cada vez que tento entender o dano, sinto-me mais esclarecida relativamente ao modo como ele me prejudica, apesar de não saber a sua fonte. E a perceção da complexidade do estrago diminui com o tempo e com o pensamento, tendo vindo a transformar-se num problema cada vez mais presente, mas cada vez mais claro. Podendo agora eu dar-lhe uma definição sem que haja ainda uma denominação simples.
Eu tenho dependência à independência. Tenho também medo da dependência e, mais medo tenho, de perder a independência.
Eu não me vejo, nem nunca vi, como um elemento que pertence a uma comunidade, compreendendo-a (definição pessoal) como um conjunto de pessoas que procuram a cedência de vontades e perda de percentagem dos interesses, para que uma vontade apenas vigore, tendo como fim último o bem comum de todos os elementos do conjunto (entre outras coisas importantes a referir nesta definição).
Eu sou, porém, o elemento que não se mexe pela comunidade, vivendo à margem dela. Não estabeleço compromissos e os que, raramente, estabeleço são de ordem facultativa e, pouco fiável é, confiar na minha presença nesses mesmos eventos, mesmo que eu jure a pés juntos que estarei disponível para comparecer. Eu não tenho disponibilidade para mais ninguém sem ser eu mesma. A menos que estar disponível me leve a beneficiar de alguma maneira daquele complô. Não tenho horários e não conheço marcações que não as minhas e, acima de tudo, não faço cedências ou dou prioridade ao outro em detrimento de mim mesma. E faço-o pelo simples prazer de mostrar que a Minha decisão é soberana, que sou inflexível, para fincar o pé. Eu, Joana, dona e senhora do meu próprio destino, ou seja, faço-o para embirrar, mesmo que saia prejudicada.
Eu não me envolvo com as pessoas na comunidade, nem mesmo a cem porcento com os mais próximos (nunca a fundo). Não faço a vontade ao amigo que ficou à espera no café, não faço a vontade ao amigo que quer que eu lhe faça companhia numa festa, ao amigo que me quer apresentar pessoas importantes, ao amigo que ainda assim promete vir buscar-me a casa, à família que tem saudades de me ver. Não o faço. Não faço, porque sou egoísta. Não o faço porque na verdade, mesmo não tendo toda a gente esta perceção de mim, eu sou fria e calculista.
Mesmo que goste do outro e me importe com ele, prefiro estar confortável, por não precisar dele – “Tu tens a tua vida, eu tenho a minha. Podes envolver-te na minha vida, mas não esperes que assuma qualquer tipo de compromisso contigo. É quem eu sou” – desculpo-me – “Já não mudo.”
Marcar horas? É não ter capacidade de improvisar, ser estático e não ter espontaneidade. Divertir-me e ser feliz? É um direito reservado a amigos, mais ninguém tem direito à pessoa que sou quando estou com eles, sem serem os próprios. Responder a mensagens? É uma seca, uma prisão. As aventuras? São só minhas, não tenho desejo de partilhá-las, a minha loucura ultrapassa todos os limites sem que eu veja, porque estou feliz e ocupada e não olho aos estragos que provoco.
Sou só eu. É muito difícil deixar alguém tomar conta de mim, até nas pequenas coisas. Quero fazer as coisas sozinha. Sempre fui assim, mesmo que por vezes tenha de ser mais moldável, mais líquida. E não sinto propriamente as consequências de tudo isto, porque se há coisa que sei fazer é estar sozinha e não sentir solidão. Posso passar dias a fio sem dizer nada a vivalma, posso estar sozinha tempos e tempos.
Mas e se estiver a perder partes da vida que nunca serão do meu entendimento? E se estiver a fazer mal as coisas? Terá a peça uma possível concertação? Será que procuro sequer esse concerto? E qual será a fonte? O porquê de não querer saber do outro? Será esta minha fraqueza fatídica?

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