Estou neste momento sentada nas escadas do Teatro Aberto após ter feito de ardina aos carros, autocarros e carrinhas de todos os tipos que desciam a Praça de Espanha. Foi um trabalho fácil e fez-me sair de casa super cedo, deixando-me a oportunidade de observar as cândidas cores que pairam no firmamento quando o sol madrugador decide acordar. Tons pastel, rosas pálidos, púrpuras intensos, laranjas, amarelos frouxos e azuis a clarear toldam os meus dias, todos os dias, tanto ao nascer como ao pôr do Sol.
Ontem saí de casa e decidi num acordo individual ir deambular para as ruas do Princípe Real. Subindo pelo Bairro Alto, até ao Conservatório Nacional e descendo por fim a Rua do Século e da Academia das Ciências até dar com a Praça das Flores. O Zé acompanhou o meu passeio de livre expressão, onde procurei perder-me ao invés de encontrar algo específico, para variar.
Quando moramos num sítio e nele construímos a nossa vida, temos tendência a ignorar o que nos rodeia, as pessoas, os locais, as histórias... No final dos três meses que vivi em Macau, naquele meio palmo de terra, eu continuava perdida nas ruas e nos autocarros, sem grande noção de espaço, resultado da rotina que nos prende aos mesmos caminhos, aos mesmos locais, às mesmas pessoas e situações.
Não vemos o mesmo acontecer no autocarro se o apanharmos duas horas depois ou duas horas antes. A rotina estagna-se e a ela nos estagnamos. É a segurança e é estabilidade que são procuradas por natureza humana. Por este mesmo motivo é que as Donas Maria dos vários quarteirões do bairro, escolhem sempre os mesmos bancos de jardim para se sentarem a dar de comer aos pombos e a conversar. Não é grande rotina comparada com a que um dia tiveram, mas ao menos é rotina, é certa, é segura, é o que se tem e é o que se procura.
Tenho-me dedicado, nas minhas deambulações frequentes, a observar o ser humano no seu estado natural, no meu próprio meio, que é também o deles (dos humanos).
Não só nas suas rotinas, mas também na minha, nos autocarros, nas ruas, nas lojas, nos cafés... Não é nada redutor quando alguém reduz o humano a "Massa". É o próprio que escolhe ser "Massa", é o próprio que segue massificadamente a restante "Massa", formando um movimento em massa. As atitudes e intensões vêm ao de cima quando observamos os casos um por um e, mesmo os poucos considerados "desvios", se tornam apenas desvios previamente esperados.
Perco a esperança na humanidade e em mim mesma ao ver a "Massa" movimentar-se uma atrás da outra, como se de uma formiga se tratasse, pronta a seguir a maior parte do seu carreiro de formigas - Se todos vão por aquele caminho, porque irei eu contrariar?
Mas não será constatar isto mais uma maneira de me considerar massa massificada?
Tenho esta urgência em mãos, a urgência de criar, pensar, escrever e explorar o espaço de maneiras que nunca me vi a explorá-lo. Como se outra dimensão fosse a minha, um nível intermédio de observação, eu não tenho rotina, a que tenho muda constantemente, apanho o autocarro às 8:00 e apanho o autocarro às 13:00. Não apanho as mesmas pessoas, as mesmas circunstâncias. E sei que se sair de casa às seis, verei poucas pessoas na rua, as que vejo trabalham longe ou estão a passear os cães; ao meio dia no parque, os velhotes são o meu alvo de observaçã; às cinco da tarde as crianças depois da escola; e às nove da noite alguns jovens e mais donos de cães a passear.
São coisas diferentes porém, ser massa e ter rotina, relacionam-se, mas são diferentes.
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