terça-feira, 10 de abril de 2018

Um rapaz estava sozinho numa ilha, estava sozinho porque queria. Era seu propósito estar sozinho. Sozinho para pensar, descobrir respostas, descobrir o porquê de estar tão perdido. Sozinho, porém, os seus pensamentos faziam-no gritar, a sua solidão era demasiado ruidosa. Ecoava na sua mente o seu pensar, era clara a sua confusão interior eminente. Sentar-se no silêncio durante dias a fio, a voz silenciada, a cabeça em alvoroço, perdida, conta os dias, vê a vegetação crescer, florescer, ganhar vida, voltar a perdê-la e conta também as ondas tempestuosas do mar, fortes, cada vez mais, da primeira até à sétima e última onda do ciclo, um crescendo.
Areia nos pés, areia húmida grossa e escura e um céu cinzento, nevoeiro. 
Houve um dia, porém, em que finalmente a lógica se calou e, o pensamento, deixou de ser tão evidente, tão complexo. O pensamento era agora as coisas simples, o pensamento era tudo o que era observável a olho nu, tudo o que era sentido com os sentidos. O pensamento era agora a humidade sentida na ponta do nariz, na textura do próprio cabelo. O pensamento era as gotas de chuva no topo das bochechas, onde o osso facial sobressai antes das olheiras afundarem o contorno da pele. O pensamento era o abraço apertado nos próprios joelhos, o entrelaçar dos nós dos dedos, o frio nos mesmos. O pensamento era a cor do céu, ainda cinza claro, sem sol. O pensamento era claro como a água escura e transparente. O pensamento era o cheiro intenso a maresia e a terra molhada, lama. O pensamento era o som, o som daquele lugar, o aglomerado de vozes grotescas dos elementos da natureza, tempestuosos, animalescos.
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Senta-te ao meu lado e não digas nada. Também não me toques, acompanha apenas o meu silêncio, aprecia-o. Ouve-te a ti mesmo, no teu silêncio. Consegues ver-te? O que te rodeia são coisas tão simples e tão complexas ao mesmo tempo. Tenho esta obsessão com o meio natural, onde não há construção humana, onde posso estar sozinha no grito que podia dar, no grito que não preciso de dar, mas que se quisesse dar, ninguém o ouvia. É bonito. Podes gritar se quiseres, não julgo. Gosto até do teu grito. Força, grita. 
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O meu ombro faz uma elevação lateral dos meus braços que, em extensão, tocam no ar e as gotas de chuva abraçam-me, abraçam o meu corpo, caem em mim e perdem-se no meu corpo, dissipando-se, absorvidas pelo tecido na minha roupa e em parte pela minha própria pele. Tenho o mar pela cintura, a água está fria, mas eu não tenho frio, ou devo ter porque eriçada está a pele que tenho, é pele de galinha. Não sinto o frio porém, como se estivesse anestesiada.
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Não é esta uma história sobre amor, sobre felicidade ou tristeza. Não fala de liberdade, não fala sobre ser aprisionado. É esta  uma história diferente, a história diferente, não vês isso? Não é loucura. É demasiado clara para ser loucura. Ainda não percebeste mas não faz mal, não tens de perceber. Não te preocupes, vê só aquilo que quiseres ver, nenhum de nós vai entender nada a fundo. Mas é bom não é? Dá-me a mão. Aperta-a com força. Já vês? Não te apetece correr? Eu quero. Sinto alguma coisa a crescer dentro de mim, sinto-me a viver no meu próprio mundo. Já percebeste? Tu  estás no meu mundo.

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