domingo, 16 de abril de 2017

Todos os dias preciso de escrever. Todos os dias encontro algum conforto nas palavras que saem da minha cabeça, para os meus dedos, para as letras do teclado. Todos os dias sinto a necessidade de despir os meus pensamentos, mesmo com erros ortográficos, erros que deteto uns dias depois e que me levam a editar as mensagens uma e outra vez, ás vezes desisto de os corrigir. Encontro o simples conforto no meu explicar. Encontro clareza nas palavras. Sei que são dotadas de uma profundidade que só eu entendo. Sei que até as coisas que não escrevo estão presentes na essência dos pequenos excertos.
Hoje aqui estou eu, sozinha em casa, no domingo de Páscoa, sentada na sala da casa onde vivi nos últimos 14 anos da minha vida, a escrever. Lembro-me da primeira noite que passei cá em casa. Comemos leitão com batatas fritas na pequena bancada da cozinha, sentei-me numa das cadeiras altas que os meus pais compraram para que eu e a minha irmã pudessemos comer á mesma altura que eles. Dormi na cama dos meus pais, com eles, a minha irmã ficou em casa da minha avó nessa noite, eu é que pedi muito para vir com eles. Eles já cá estavam a viver durante as mudanças. Lembro-me da primeira vez que a Marilu veio aqui brincar. A casa ainda estava a ser montada, na sala, exactamente onde estou sentada, os móveis estavam dispersos, espalhados, desmontados e amontoados por toda a parte, o que nos pareceu fantástico porque começamos a jogar ás escondidas e a correr por entre os pequenos corredores formados pelo amontoado. Ainda hoje gostava que essa fosse a disposição da sala. Eu era tão pequena. 
Os meus pais, que já conhecia á seis anos, estavam apenas a começar a vida deles, duas filhas pequenas e alegres e a alegria entre eles sentia-se. Lembro-me de sermos felizes. Sim, felizes. Muito. Muito felizes mesmo. Pergunto-me quando as coisas mudaram e porquê. Lembro-me de todos os sábados no verão irmos para a praia, escolhermos um lugar qualquer por entre as árvores onde quer que fossemos, estendermos uns tapetes e fazermos piqueniques depois da praia. Ficarmos deitados no tapete e brincarmos uns com os outros. Quando é que isso parou de acontecer? Percebo agora que muita coisa se passou sem que eu me tenha apercebido. Lembro-me depois das grandes discussões. A minha mãe aos berros na casa, a ameaçar que se ía embora, a partir coisas (ainda hoje faz isso, já lá vão 10 anos), o meu pai a discutir com ela, a Tusca a ladrar, a Luísa a chorar no quarto. 
Olho para o meu reflexo no vidro do armário dos copos de cristal. Estou de quecas, um top e um casaco, tenho o cabelo desgrenhado mas está bonito, estou natural, estou despida, estou com os meus óculos novos, estou bonita (dentro do possível). Estou crescida. Muito crescida, Talvez mais do que devia. Estou a chorar. Já não chorava há muito tempo. Pareço aquelas mulheres independentes e sofisticadas que aprenderam a juntar as merdas da vida numa bola e que a carregam sozinhas de uma maneira prática, vão lhe dando pontapés, vão colando as coisas que vão acontecendo ás outras coisas que já aconteceram e vão chutando a merda toda junta. Estas palavras foram horríveis. 
Peguei no telemóvel que vibrou, um alerta do mundo desperta-me, tenho um trabalho para fazer. A minha avó mandou-me mensagem a desejar uma feliz Páscoa. E a paz que sentia passou. Adorava escrever para o resto da vida. Tenho aquela imagem de um eu no futuro, sozinho, chega a casa, abre uma qualquer garrafa de vinho tinto (que aprendi recentemente a apreciar) e fica sentada como agora a escrever e a pensar. A deixar fluir tudo o que se lhe assomar á mente. Deixar que a dor da vida fale mais alto. Já passei por muito. A sério. A maior parte das pessoas, apesar de ter os seus quês, não faz ideia do que é crescer demasiado rápido, do que é amadurecer desta maneira, envelhecer tão jovem. Saber tanto e tão pouco. Ser um génio tão solitário, tão brilhante e tão certo no meio da incerteza. Sou eu sim. Mesmo com as minhas falhas e os meus defeitos, ninguém tem uma compreensão tão abstrata e tão sensível do mundo como eu, eu sinto as coisas. Eu leio as pessoas. Eu sei observar as coisas como ninguém. E sei ignorar o que observo para meu próprio bem, para me encaixar, para que as pessoas não se apercebam que eu as vejo de verdade, no seu estado puro.
Na sexta-feira, no trabalho, uma senhora, Paula disse-me, aproximou-se da minha banca para provar o tinto que estava a servir. Nenhuma mulher havia apreciado realmente o forte sabor frutado e acídico do Colossal ainda. Tinha uma estatura média e os seus 50 anos, um sorriso na cara e mãos de quem trabalha muito, pequenas e fortes. Tinha muito cabelo, muito bonito, comprido, escuro e ondulado, acentava-lhe na face na perfeição, na sua cor original com apenas alguns brancos aqui e ali. Assim que provou o vinho sorriu e disse que adorava tinto (é raro uma mulher gostar de vinho tinto, eu também gosto mas o branco e o verde escorregam melhor), ficou a conversar comigo, morava perto do Bairro Alto, no Calhariz, nas águas fortadas de um prédio com uma vista maravilhosa para o Tejo, falou na filha e deu para perceber que não tinha marido. Era uma mulher simples, um tanto ou quanto bairrista, mas muito querida. Ficou a sorrir e a falar comigo, dava perceber que gostava dela própria e que não tinha tido muitas oportunidades, mas que era feliz e não pedia muito da vida. Disse que da próxima me comprava o vinho. Gostei muito da simplicidade que carregava consigo, na sua pobreza era uma pessoa muito rica.

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