domingo, 14 de outubro de 2018

Como me sinto segura, na tempestade, a minha vida numa bolha, a vida amena que tenho levado, num Verão que no tempo está a ser continuado. Os Verões da minha vida e as decisões por tomar que continuam estagnadas porque por enquanto continuo a ter de prestar esta prova que me deixa na realidade pobre durante mais uns meses.
Encontrei-me com a Marilu no sábado, na correria dos encargos dela tivemos um tempo para falar, sendo interrompidas pelos voluntários desejos de universitários que queriam que o seu copo continuasse para sempre cheio da bebida dourada e espumosa.
Fico feliz por vê-la numa comunidade associativa, a divertir-se e a tirar alguma coisa da experiência. Claro está, que o verdadeiro motivo que me fez deixar de falar com ela são as diferenças de motivação das nossas vidas. A Marilu vive num universo pequeno, cheio de convenções e obrigações fictícias, porém reais, que toma como responsabilidades fulcrais. Quando eramos miúdas isto era apenas a voz da consciência das minhas brincadeiras, quando eu fazia demasiado barulho, quando eu tinha uma ideia qualquer que era demasiado parva. Porém hoje, todas as nossas conversas são agradáveis, mas não saem dessa caixa. Acho que nem toda a gente tem capacidade de entender o meu estilo de vida tal como eu não consigo entender o dela.
Tenho faltado a aniversários, encontros de família, festas de natal, minimizado as minhas próprias celebrações, faltado até na simples missão de enviar um "Parabéns, espero que tenhas tido um dia feliz.", já faz dois anos. E acho que no final de contas isso acabou por manchar ainda mais a nossa relação, o que é de facto uma espécie de um auge. Já que eu sei que durante uns tempos era desculpada porque: "É a Joana, já sabemos como é que ela é". E toda a gente me trata assim, na verdade, como se eu fosse um soldado com uma experiência pós-traumática que me faz passar ao lado das obrigações da sociedade.
Na festa perguntei-lhe o que é que ia fazer, se queria voltar a ir para fora, ela, finalmente, mostrou-me que a desculpa do soldado com SPT não servia mais e atirou-me um ríspido: "Nem toda a gente é como tu, nem toda a gente consegue largar tudo". Perguntei, porque não confio no namorado dela, vai fazer com que ela se apegue demasiado, ela já tem demasiadas características de mãe na personalidade, já vive para os outros. Não consigo desculpar alguém que a faça viver para ele. Se ela ficar com ele para sempre (não, não estou a fazer premeditações parvas eles são meninos para isso), ela vai perder parte de uma vida que nunca vai conseguir recuperar nunca mais, a liberdade de ser para si, de pensar para si, de fazer para si. Ela precisa de alguém que a tire da caixa e não de alguém que viva no mesmo espaço contíguo que o dela.
É por isto que acho que gosto da Lala e do Daniel, ela foi escolher uma pessoa que completa a complicação da cabeça dela, ao descomplicá-la, enquanto ela põe juízo na cabeça dele. Não há realmente uma força sugadora em nenhum deles, nenhum deles tem capacidade para deixar o outro num seguimento de opressão, porque nenhum deles é realmente melhor que o outro.
Quanto a mim, acho que me tornei uma Bia, tenho saído e conhecido pessoas nas minhas saídas, sempre, o que é bom, faz-me sentir bem.
Acho que fiz isso a toda a gente nestes últimos dois anos. Estou a ouvir uma conversa ao telefone entre a minha avó e a minha mãe, a minha mãe acabou de lhe contar a novidade do momento, "a Joana vai voltar a Macau", ela teve aquela reação de "nada me surpreende mais". Eles não me dizem, mas também estão extremamente magoados, os meus avós. Não só por eu quase não lhes dizer nada, mas por parecer que continuo a fugir de toda a gente, sem precisar deles realmente. Não perdoam a independência com que levo a minha vida, sem pensar nas consequências. Que, na minha opinião, não é assim tão independente. Eu sou um bebé comparado com a Bea, com as pessoas que conheci durante as viagens, eu sou extremamente dependente e eu sei isso. Mas não para eles. Para eles e aparentemente para a Marilu, eu sou uma inconsciente. O que raio é que poderá haver noutro lado do mundo que seja melhor que a Europa? "Nada, ela perdeu a cabeça."
Às vezes pergunto-me, se estou a fazer o melhor para mim. A minha mãe e os irmãos resolveram a história das partilhas, ela ficou sem a casa e quer agora comprar parte do terreno da casa do meu avô e fazer uma casa de campo. Na cabeça dela tenho a certeza que saltam grandes planos, uma casa com jardim cheio de flores e uma horta, uma grande sala de jantar, uma casa para usufruir. Falamos sobre isto e eu disse-lhe que era giro transformar um barracão numa chill room. Mas depois parei a conversa e interrompi os sonhos dela. "Na verdade mãe, tens de pensar no que será melhor para vocês os dois, só vocês os dois é que vão usufruir da casa, nós nunca o faremos, é uma casa para ti."
Imagens na minha cabeça passaram, eu e a Lu, dois gatos sem dono, não teremos filhos, pelo andar da carruagem nem sequer viveremos em Portugal. Toda uma linhagem completamente destruída. Não haverá Natal em família, para podermos usar uma sala de jantar grande e bonita com uma grande mesa. Não haverá "passar uns dias na casa de férias com os filhos e os avós". Pensar nesse futuro nunca me assentou, não vai existir. Os meus pais vão ficar sozinhos naquela casa, portanto mais vale agora tirar o penso rápido e a excitação de contruir uma casa de sonho. Não vale a pena, não há sonho, será para sempre só uma casa.
Começo, neste momento, a encarar o facto da minha vida poder vir a tornar-se um eu solitário, focado no trabalho e no eu em si. Sou demasiado focada em mim mesma para o gosto de pensar em ter mais que uma vida partilhada com uma família. Não posso dizer que seja isso que eu quero realmente, mas na sua parcialidade acho que é justamente o que sempre quis. Tenho pensado muito nesse futuro, na realidade, na possibilidade de me afastar de toda a gente. "A Joana, a tia que vive fora" - A tia que toda a gente adora porque traz sempre presentes para toda a gente e é engraçada porque parece um bocado doida.
De repente imaginei-me a morrer, sozinha, num hospital onde Judas perdeu as botas, de um cancro óbvio. Ninguém me diz, mas tenho a certeza que toda a gente acha que vou acabar assim (estou a rir-me disto). "Viveste tanto que te esqueceste de viver as coisas mais básicas". E a base é o que faz O Ser ser Humano, portanto, ao fim e ao cabo nunca serei feliz principalmente porque a minha motivação é a busca da felicidade. Mas continuo a rir-me disto, da ironia que é. Estou a ouvir alguém a dizer: "Óbvio Sherlock. ".
Algures no meu íntimo penso numa noite sentada no sofá branco, aleatóriamente posicionado em frente à grande e corrida janela da sala, já que não faço a mínima ideia de como ele foi ali parar. Quero jurar que vejo o tom castanho sujo do céu provocado pela mistura entre o escuro da noite e as luzes amarelas da rua. Que me lembro vagamente de uma qualquer conversa sobre a possibilidade de morrer e de na verdade não me sentir sozinha ao falar disso.
Eu acho que só sinto a falta disto à noite. Porque detesto cada vez mais dormir sozinha. Não suporto isso. Sinto-me tão desprotegida. Acordo 30 vezes por noite e percebo que os meus sonhos não têm teor nenhum, que dormir é apenas funcional, durmo porque tenho de dormir. E tenho esta constante sensação que todos os males do mundo podem cair em mim enquanto estou a dormir.

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