Hoje tive uma reunião com uma senhora chamada Teresa Vaz. Encontrei-me com ela no Jardim da Gulbenkian. Caracois brancos aloirados, olhos verdes gigantes, um sorriso bonito e uniforme, já velho, 51 anos e um cheiro a perfume capaz de encher uma sala. Chegou sem bengala mas pela descrição - "loira e com um vestido bordeux" - só podia ser ela. Perguntou-me se eu era a Joana e eu respondi que sim, não sabia muito bem o que esperar. Guiou-nos a mim e ao Pedro por entre os arbustos do jardim sem cair, de saltos, sem sequer desconfiar de cada passo que dava e guiou-nos até um local mais recondito. Ali, arbustos e árvores tornavam o local fresco, sentamo-nos em bancos compridos de ferro, o chão era feito de uma gravilha castanha e tinha algumas folhas amarelas em si depositadas, antes de nos sentarmos, tive o cuidado de afastar as folhas que se acumulavam nos bancos, não fosse a senhora, sem saber, sujar o vestido. Ela sorria e falava, falava pelos cotovelos como se nos conhecesse. Tinha o á vontade de quem não deve e não teme. Na verdade por não ver, não teme. Lá ela falou, lá lhe fizemos perguntas, contou-nos uma pequena parte da sua vida, falou sobre o que fez e o que faz agora que está reformada. Trabalhou como gestora de recursos humanos numa loja de roupa, gostava muito de malas e de sapatos (isso era de facto notório), está divorciada, coisa recente (o marido queria prendê-la em casa por causa da deficiência, achava que não devia andar em aventuras), tem 3 filhos, a mais nova estuda turismo no ensino profissional tem notas brilhantes mas não quer ir ás aulas (o maior desgosto da Teresa é que ela não tire a licenciatura). Agora reformada, dá formação a crianças cegas e amblíopes, ensina-as a trabalhar com gadgets e a funcionar com a cegueira e com a baixa visão, gosta muito de vir ao Jardim da Gulbenkian, conhece espaço como se se tratasse da palma da sua mão, daí não usar a bengala - "Corro isto desde miúda, costumava brincar aqui". Eu queria que ela ficasse ali a conversar comigo a tarde toda. Fugi ao guião de perguntas que tinha para fazer. Perguntei-lhe se era feliz. "Joana, não se pode ser sempre feliz, ás vezes é se muito feliz, outras nem tanto, a vida é assim mesmo". Levantou-se muito despachada e guiou-nos a uma das saídas pela Avenida de Berna, despediu-se e disse-me para lhe ligar se as minhas dúvidas não estivessem todas esclarecidas e ainda acrescentou que se o meu pai precisasse de ajuda (sim, eu falei-lhe do meu pai) ela estava mais que disposta a ajudá-lo. Despediu-se e foi apanhar o comboio. Eu e o Pedro viramos para a Praça de Espanha, onde tínhamos deixado a mota estacionada, sorrímos um para o outro com a conversa, fiquei a sorrir até chegarmos ao sítio onde tínhamos deixado a mota. Prendi o cabelo e coloquei o rabo de cavalo dentro do casaco, pus o capacete e subi á mota, que agora se torna já um hábito, e sem tirar o sorriso da cara, fomos estrada fora, pedi ao Pedro para acelerar tanto quando pudesse (eles acham incrível eu não ter medo) e sempre sem deixar de sorrir, comecei a chorar de felicidade.
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