Ontem foi a minha apresentação de inglês. Eu tenho 18 a inglês. Eu treinei a apresentação 4 vezes em casa. Sabia o que dizer de trás para a frente. Eu sei usar os verbos, adequar as palavras, pronomes. Sou a melhor aluna da turma e costumo fazer um erro em cada 200 palavras que profiro. Revi os filmes, revi as cenas principais que queria falar, vi pequenos excertos dos filmes em loop 10 vezes para conseguir retirar o mais ínfimo detalhe (ao máximo que me é possível), revi o conteúdo todo. Dominava completamente a apresentação. Antes tinha tido uma apresentação, na aula anterior. Nunca tinha visto os slides e acertei em cheio nos argumentos.
Aula de inglês: nunca me senti tão vulnerável. Nunca mostrei tanto de quem sou numa apresentação. O plano: Cinema. Definição. Origem. (Gaguejo continuadamente, não sei artícular palavras, não sei pronunciá-las, não sei usar artigos) La voyage dans la lune. (Não me sai da boca o nome apesar de o saber. Olho para os slides) George Meliés. Criatividade. Indústria. O cinema e o lazer. (Ando de uma ponta à outra da sala e sinto o meu coração a mil, sinto as minhas mãos tremer, abano as mãos ainda de um lado para o outro e com a voz trémula sei que disse um "I'm sorry I don't know why I'm so nervous". Continuo.) Emoções. Um diapositivo a preto, um quadrado branco e um boneco no meio do quadrado - o "Eu" na existência, o que estou a fazer aqui(?), o não significado da existência. Seguidamente, o mesmo slide mas com mais items no quadrado: construção da vida - distrações para a infelicidade. Uma cena do Annie Hall (1977) "I have a very pessimistic view of life. I feel that life is divided up into the horrible and the miserable" (Leio o que está no quadro e continuo de um lado para o outro, completamente petrificada intelectualmente. Olho para os meus colegas que estão estupefactos a olhar para mim. Estavam a ver-me num estado de enorme confusão, eu sou sempre assertiva. Especialmente naquela cadeira. Eu sou a melhor a fazer aquilo.) Existencialismo - Play It Again Sam (1972) - "That's quite a lovely Jackson Pollock, isn't it?" - Life has no sense, life has no meaning (digo palavras soltas sem conexão entre si, volto a pedir desculpa, faço umas perguntas de forma a tentar ganhar pontos na participação da turma) contextualização da arte no cinema - cinema como arte. Estilos. Passa a palavra. (Preciso de me sentar. Sento-me e bebo água. O meu corpo está numa situação desconhecida, completamente desgastado e não consigo tirar da cabeça uma certa estranheza que se emana.)
Tudo o que disse ontem na apresentação, tudo era meu. Eu estava despida, vulnerável, estava a falar de mim a um grupo de pessoas que não me conhecem assim tão bem, sem que elas realmente se apercebessem do quão de mim estava a falar. Estava a despir toda uma casca de aparências e a deixar a emoção toldar-me o espírito. Estava a expressar tudo o que o João me deu. Estava a deixá-lo sair. Ali, à frente de toda a gente. Tudo aquilo que transmiti foram coisas que ele me ensinou, coisas que aprendi a gostar, coisas que ouvi milhares de vezes e que as saberia dizer em qualquer situação. Quando a aula terminou fui para a casa-de-banho, tranquei a porta e comecei a chorar. Saí da casa de banho e uns minutos mais tarde continuava a precisar de chorar. Fui para um cantinho e descarreguei tudo. Na verdade eu estava a chorar porque estou feliz. Tive a necessidade de finalmente deixar sair tudo o que tinha dele, porque já não preciso de gostar dele e isso baralha-me. É o pensar nele e colocar uma moldura bonita no que ele é. Mas a moldura deixou de fazer sentido. Esse não sentido causa-me estranheza, atrofia-me os sentido. Ontem, percebi que fechei a página do João. Talvez até a tivesse fechado há mais tempo. Mas só percebi agora. E não tive vontade de o abraçar, não tive vontade de lhe explicar que estava a pensar nele. Simplesmente segui em frente. E senti-me em terreno estranho ao fazê-lo. Não estou habituada a isto. Neste momento da minha vida percebo que estou genuínamente feliz. Estou genuínamente mais feliz do que há um ano atrás. De repente, meses de sofrimento e de dúvida, tristeza e mágoa profunda, dissipam-se. Eu estou apaixonada por tudo e, sem reparar, vivi os melhores meses da minha vida. O João deu-me tanta coisa, deu-me mais coisas do que eu lhe dei. Ou deu-me coisas diferentes. O João deu-me coisas a longo prazo, eu dei-lhe tudo o que tinha no momento e agora as coisas que eu lhe dei desapareceram, enquanto tudo o ue ele me deu perdura no tempo, todo o conhecimento, eu não lhe dei uma unica coisa deste calibre, só memórias e todas elas são passado. O João saíu finalmente do espectro e não tive de fazer nada para que isso acontecesse, simplesmente aconteceu e quando me apercebi, estranhei.
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