Ontem saí de casa á noite, estava a ir tomar café, quando me apercebi que ía tomar café com ninguém, porque ninguém está por cá ou se estão, não estavam dispostos a ir tomar café. Voltei para trás a meio caminho. Tenho pensado nisto algumas vezes, continuo a pensar no João todos os dias e acho que talvez ele estivesse pelo caminho, daí não ter dado para eu ir tomar café. Eu acho que estranhamente o "universo" anda a fazer com que nós não nos cruzemos na rua. É estranho. Mesmo pensando nele todos os dias, passando nos sitíos onde costumavamos estar os dois juntos, á porta da sua casa, apanhando o autocarro na sua paragem, passando ao pé da faculdade dele... Nunca o vejo. E sinto que não é suposto vê-lo. Não é suposto vê-lo mesmo. Talvez nunca mais, talvez por enquanto... Não sei. Lembro-me de muita coisa que costumavamos fazer. Tenho uma quantidade parva de memórias e todos os dias me surpreende o meu cérebro com uma nova velha memória. Calculo que ele não tenha disto. Mas ontem ao subir a escada por entre os prédios apercebi-me de que o João é apenas uma memória e que se voltasse atrás no tempo com a informação que tenho agora, eu não saberia estar na sua presença. Porque de tão inexistente que ele se tornou, eu começo a achar que ele não existe. Ele costumava dizer que a vida tem a sua força. Talvez até tenha mais força do que ele próprio julgue. Talvez não possamos compreender a dimensão da força da vida. Daqui a uns anos talvez nem pense nisto, talvez nem me lembre. Nem sei porque estou a escrever sobre ele, normalmente evito pensar nisto, mesmo que pense, evito tudo o que seja dele. Mas acho que se não ficamos amigos é porque as coisas assim tinham de ser. Não sei quem ele é. Imagino que tal como ele perdeu estes últimos meses da minha vida onde mil e uma coisas aconteceram, também eu perdi as coisas dele. É curioso saber tanta coisa sobre um estranho e ao mesmo tempo tão pouco sobre alguém que conhecemos tão profundamente. A verdade é que ele já não existe. Sim, o meu cérebro de alguma forma assumiu a sua morte e o cérebro dele deve ter assumido a minha. Isto porque nunca o vejo, porque alguma coisa não nos deixa passarmos um pelo outro, alguma coisa não quer que eu o veja. Sinto-o intrinsecamente nas minhas veias, artérias, ossos, na minha carne. E eu sou a pessoa mais cética que conheço. Não faço ideia. Sei que é a minha maneira de lidar com as coisas, sempre foi, arrancar as coisas assim da minha vida. Pergunto-me se estarei a dar demasiada importância a tudo isto. Mas não. Não estou, a vida move-se e muda de sitío e é tão inconstante que permite-nos a todos andar, parar, voltar a andar e quem sabe correr. E eu, mesmo indo contra tudo aquilo que eu costumava acreditar, acredito que as coisas acontecem como têm de acontecer. Porque é que isto acontece? Não sei. Livre-arbitrio? Predisposição? Puro acaso? Soma de circunstâncias? Não sei. Mas por qualquer que seja o motivo, as coisas acontecem como têm de acontecer, porque o que tem de ser tem muita força.
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